sexta-feira, 27 de janeiro de 2012

Reflexão 6

Apontamentos para a conclusão da pesquisa

Com relação ao ator-bailarino-performer: trabalho do texto-voz em movimento; disponibilização para relação abrindo mão da “propriedade” da criação (no momento do acontecimento cênico) e dividindo-a com o público, uma espécie de entrega para o outro no sentido do cuidado, deixando com que o outro olhe para você como se lhe faltasse algo; aguçamento da percepção das estruturas dramatúrgicas que possa viabilizar essa estrutura que se constrói junto ao público.

Com relação à construção dramatúrgica: criação de jogos e situações onde o público seja convidado a tomar pequenas decisões que comporão as conexões coreográficas; estrutura coreográfica que enfatize os movimentos dançados por impulsos (relação
dança ↔ teatro) que faça com que o público não se apassive na condição de público; criar situações em que fique claro para o público que ele pode entrar, que seu espaço lhe está assegurado, um acordo de confiança entre o performer e o público. Estruturas vezadas (espaços em branco: Derrida).

Reflexão 5

A partir da intervenção n. 4 na Praça Afonso Pena (Tijuca - Rio de Janeiro):

Iniciamos esta pesquisa com o tema da relação entre os seres humanos na dimensão do cuidado entre eles. Não sabíamos onde o tema nos levaria, mas partimos de princípios de trabalho já desenvolvidos na linguagem do Teatro Xirê e que encontraram reverberação no trabalho do diretor Norberto Presta. Nas primeiras intervenções de rua, partindo da provocação trazida por Paulo Marques sobre “apaixonar-se e desapaixonar-se” (Zigmunt Bauman) nossa primeira questão era “O que atrai o olhar do outro?”. A busca para a resposta a esta pergunta teve outros desenvolvimentos, como “Como manter o público ativo durante o acontecimento?”.
Durante a intervenção de hoje consegui identificar com mais clareza como estamos tocando os pontos que inicialmente nos estimularam e como uma proposição de pesquisa temática veio identificando uma proposição estética.
O espaço da dúvida, onde o público não sabe muito bem o que está acontecendo se distinguiu para mim nesta performance como o espaço da humanidade, onde o público se põe a “pensar” sobre “o que está acontecendo?”. Neste lugar o “penso, logo existo” toma uma dimensão sensível, uma vez que é motivado pela sensibilidade do transeunte ao acontecimento que provocamos em praça pública. Aqueles que passam e percebem o movimento da performer, estranho ao cotidiano, se perguntam o que está passando comigo, porque eu estou agindo naquele tempo/espaço, porque aquelas ações (dança?) tão deslocados do espaço/tempo cotidiano. De algum modo, se ocupam da minha presença, cuidam não de mim como indivíduo, mas do acontecimento. Neste momento é como um encontro com suas dimensões humanas, seus olhares mudam, “re-olham”, procuram, uma vez que se questionam, reflexionam, pensam no e sobre o instante do acontecimento, por mais banal que seja a pergunta: “O que ela tem? Por que está se comportando assim?”. Geralmente, termino as intervenções muito emocionada, como se eu, realmente, tivesse tocado algumas pessoas que passaram pela performance ou que estabeleceram aquele território comigo.

Desde as primeiras intervenções vimos observando como as pessoas no dia a dia percebem a Dança, hoje esta observação ficou mais intensa, muito provavelmente porque eu me permiti que o fluxo dos meus movimentos entrassem mais nos espaço da Dança. Levar para a rua aquilo a que estamos chamando “Estado Esther Williams” me possibilitou de algum modo um território no qual me “espalhar”, provocando uma espécie de onda que tocava as pessoas/passantes em outro território sensível.

A questão do tempo nas intervenções de rua sempre é um fator muito curioso. Acabamos por nos apoiar um pouco no tempo de duração da fita de vídeo ou da bateria da câmera filmadora e é sempre surpreendente como 60 minutos parecem durar 20 nestas intervenções. É como uma espécie de “transe meditativo” no fluxo cotidiano, uma espécie de corte no tempo cronológico.

Outro fator que nos chamou a atenção no trabalho de hoje foi o modo como as pessoas se situam naquilo a que chamamos realidade e como este modo de se colocar altera também seus mecanismos de percepção.

Mais uma vez observamos as relações de cumplicidade com os observadores do trabalho, aqueles que estão estabelecidos no território que vou usar como espaço de “atuação”, os senhores que ficam na praça jogando xadrez, por exemplo. Assim como estes, alguns outros se posicionam em alguns pontos da praça e se põem a observar o que está acontecendo e como as pessoas reagem, ou não, ao que acontece. Este “público” estabelece uma observação ativa com a performance, compondo de certa forma o acontecimento.

Reflexão 4

A reflexão a seguir se faz sobre a observação do vídeo da primeiras intervenções públicas da pesquisa, que o Norberto chamou de "Do Tempo das Coisas ao Centro do Tempo e... volta".
A intervenção consistia na realização de uma frase de movimentos cíclica e ininterrupta em uma praça pública, de preferência um espaço público com bastante circulação e que já tivesse um ritmo próprio. A frase de movimentos transitava entre o "cotidiano" e o "dançado" e esta variação acontecia de acordo com os estímulos que eu recebia de fora, das pessoas e dos pequenos acontecimentos.
Depois da intervenção nos reunimos algumas vezes para conversar sobre o que pudemos observar, todas as conversas foram gravadas. Observei os vídeos e fui extraindo o que considerei relevante para o seguimento do trabalho.
Escrevo em primeira pessoa (Andrea Elias) e muitas vezes me refiro a mim mesma como "a performer" quando a reflexão é sobre o estado a ser colocado em trabalho e não sobre minha observação pessoal.

Apontamentos a partir de observações dos registros em vídeo

24/03/10
Paulo Marques: “O que as pessoas dizem não coincide com o que elas falam” (fala registrada no vídeo sobre a relação entre discurso e corporalidade).
Trabalhamos com a idéia de cuidado preponderantemente em dois aspectos:
1. CUIDADO 1 - Físico: pontos de conexão do próprio corpo (atriz-bailarina) com o corpo do outro (público); idéia de eixo (coluna/centramento): o que é em “mim” (neste eixo), o que é fora de “mim” (que tangencia este eixo).
2. CUIDADO 2: cuidado com ou sobre o outro: vigiar, vivemos numa sociedade vigiada controlada; quebra dos padrões de pensamento; atenção aos padrões de pensamento que geram, conseqüentemente, padrões de movimento.

25/03/10
Andrea: “Desculpe, mas eu me vejo de novo fazendo o mesmo exercício exaustivo de juntar as duas linguagens (dança e teatro). Porque eu acho que não precisa ser uma preocupação de movimento e uma preocupação de situação. Eu acho que tem uma materialização das idéias que passa por essas duas coisas”. (Em discussão com Paulo Marques e Norberto Presta, em 30/10/09).

28/03/10
O que não queríamos com as intervenções:
 Destacar: “Aqui está acontecendo uma performance”;
 O apassivamento do público na condição de expectador de uma ação.

Sobre a intervenção n. 1: o espaço cênico era o corpo do performer, o que acontecia se passava em mim e na minha relação (às vezes muito íntima) com o público.
Questão: como prorrogar esse momento de relação que se estabelece entre mim e o público?
Acordos: situações de cumplicidade com o público, uma quase instabilidade onde o passante (transeunte) percebe o que está acontecendo e, sem revelar, faz um acordo permissivo para que o acontecimento (perfomance) permaneça no seu estado de quase invisibilidade.
Performer como AGENTE PROVOCADOR: eu tenho um material pronto para abrir um território de comunicação com alguém.

Reflexão crítica (onde foi que erramos):
 Na intervenção n.2 erramos ao oferecer a ação de abraçar pelo verbo, pela palavra, em vez de oferecê-lo pelo código inicialmente estabelecido “ação/movimento/dança”.
 A performer precisa incorporar o “estado da performance” em todo a duração da intervenção: preciso parar de me preocupar com as questões que estamos investigando e permitir que o corpo entre na proposta do acontecimento, sem ficar analisando o que está acontecendo no momento em que acontece.

19/08/10
Observação sobre a filmagem de “Do Tempo das coisas...” (intervenção n. 1)

A dimensão dos acontecimentos. Em “Do tempo das coisas...” eu fico durante uma hora realizando uma mesma seqüência com pequenas variações. Para quem observa de fora nada acontece de modo evidente, no entanto, milhares de pequenas ações se desenvolvem entre mim e o “público”. O observador “de dentro” capaz de atentar para essas pequenas ações, pode observar também que a tensão que se cria entre a não revelação de um “acontecimento cênico” e não completa assunção do público enquanto público, é necessária para que estas pequenas ações se estabeleçam e se desenvolvam. Caso eu me revelasse como performer logo de início, o público, provavelmente, se assentaria na sua poltrona numerada, no lugar cômodo de receptor das mensagens.